sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Bagatelas da Quinzena

                     Depois das manifestações da “geração à rasca”, vieram as “concentrações dos indignados” e dos “ocupas”. Afinal de contas, não são só os jovens que estão à rasca, é toda uma legião de gente, pelo mundo inteiro, que vai explodindo de desagrado colectivo. Políticos, banqueiros e especuladores bolsistas arrastaram este mundo para um beco sem saída. E é para estes indivíduos sem escrúpulos e sem dignidade humana, que esta legião de gente anónima aponta o dedo acusador. Que se cuidem. Tudo na vida é como os alcatruzes da nora: tanto estão em cima, como em baixo.
                Quem viveu desde 1969 até aos dias de hoje, na mó de cima da política suja internacional, foi o coronel Muammar al-Gaddafi. Mestre do mimetismo político, jogou nos tabuleiros internacionais conforme as conveniências do momento. Foi amigo de democratas e ditadores, financiou políticos europeus e alguns deles até se deslocaram à sua tenda de beduíno para o beija-mão. Os interesses do petróleo falaram sempre mais alto e a ética política foi dada de barato. Arriscou demais, de forma arrogante e sempre venceu, porém, ultimamente, face aos ventos de mudança que sopravam no Magrebe, não percebeu que o seu tempo estava a chegar ao fim. Poderia, talvez, apesar de tudo, ter saído de cena com alguma dignidade. Mas terminou de forma violenta o reinado às mãos dos seus verdugos. Quem com ferros mata, com ferros morre, diz o ditado popular. “Vae victis!”, diziam os antigos, deitando às urtigas a dignidade humana que todo o vencido merece.
                Depois, foi degradante o espectáculo dado pelos vencedores perante o cadáver de Gaddafi. A romaria mórbida em redor do corpo do ditador, os vídeos e as fotografias tiradas a rodos, a exibição do cadáver, como de um troféu de guerra se tratasse, foi chocante e em nada dignificou a magnanimidade que vencedores devem revelar. É caso para dizer: “Voe victoribus!”Ai dos vencedores!
                Na política caseira, o Presidente da República surpreendeu e causou até mal-estar e espanto no seio do governo, quando se referiu, a propósito dos cortes anunciados para os funcionários públicos e pensionistas, à “equidade fiscal”. Acusado muitas vezes por estar calado, desta vez Cavaco Silva falou demais e extemporaneamente. Foi um tiro certeiro no frágil porta-aviões do governo. O PS rejubilou e Seguro tem agora uma muleta valiosa para tomar uma posição dura relativamente ao Orçamento de Estado para 2012. O homem que tanto quer passar por cima das brasas sem se queimar, saiu desta vez um pouco chamuscado. Não se livrou de críticas vindas do seio da sua família política.
                Atrás dos acontecimentos e aparentemente sem grande convicção, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy lá vão tentando salvar o euro do abismo. No entanto, não se vê por parte do eixo político Berlim/Paris um golpe de asa capaz, que faça sair a Europa deste marasmo em que mergulhou. Substituindo-se aos restantes países, Alemanha e França aparecem como os guardiões do templo europeu, ignorando acintosamente que a UE é composta por mais 25 Estados soberanos.

publicado no JV