FLASHBACK
Bagatelas da quinzena
Nas eleições autárquicas, um “tsunami” rosa varreu o país de norte a sul, mas foi uma vitória de
contentamento descontente. Com efeito, o PS, apesar de ter vencido mais
câmaras, perdeu muitos votos em relação às eleições de 2009. A CDU, que nestas
coisas de fidelidade e devoção partidária não brinca em serviço, também saiu
reforçada em número de municípios. O CDS, à boleia, lá conseguiu que o “penta”,
em noite fúnebre, trouxesse um brilhozinho aos olhos de Portas. Com excepção do
Bloco, que desapareceu do mapa, transformando-se num partido de berliques e
berloques, e do PSD, o miserável da noite, todos os outros cantaram vitória,
cada um à sua maneira. Mas em vez de entoarem loas e carpirem mágoas, melhor
lhes fora, a todos, meterem a mão na consciência e interrogarem-se sobre a
razão de ser de tão elevada abstenção, cerca de 47,4%, e de o número de votos
brancos e nulos terem sido mais do dobro do que em 2009. Esta gente silenciosa,
sim, foi a grande vencedora vencida das eleições. Também a quantidade enorme de
Juntas de Freguesia e Câmaras Municipais conquistadas por cidadãos
independentes não é despiciente. Os sonhos e cansaços da maioria dos eleitores
ficaram todos do lado de fora das urnas. A democracia empenhada e participativa
está de rastos, porque a maioria do povo já não acredita nestes partidos de
féis carreteiros que transportam para o poder os interesses pessoais e de grupo
em que profissionalmente se movem.
Mário Soares não pára, continua
a zurzir forte e feio no Governo sempre que os jornais, rádios e televisões lhe
dão oportunidade de pôr a boca no trombone. Em entrevista conjunta à TSF e ao
DN, o ex-presidente apontou baterias aos seus actuais ódios de estimação:
Presidente da República e Governo. Num país democrático, cada um é livre de
asnear o que quiser, mesmo que sejam obtusos os disparates. As calinadas só
comprometem o seu autor. Com efeito, não poupou nos epítetos, tais como “esses
tipos”, “gente desonesta”, “delinquentes”, quando se referia a membros do governo.
Esta linguagem não se estranharia se viesse da extrema-esquerda ou congéneres.
Agora, saída da boca de alguém que já ocupou os mais altos cargos políticos do
país, não fica nada bem. Até porque, quando fala, não é propriamente para o
boneco. E neste momento crucial, em que a cólera social ainda está felizmente
em lume brando, o que mais se pede é que os principais actores políticos não
sejam os primeiros a atirar gasolina para a fogueira. Também Cavaco Silva,
velho e longo ódio de estimação, não escapou à diatribe, porque “anda sempre lá
por fora” (olha quem fala!) e “não diz uma p’ra caixa”. Como ramalhete de toda
a entrevista, até sugere “ não pagar à Troika” e que os tais “delinquentes”
“deviam ser todos julgados”, presume-se, e condenados. Neste ponto, até se pode
concordar com a ideia, desde que esses julgamentos tenham efeito temporal
retroactivo até à altura em que esse senhor foi responsável por três governos.
Com cortes e mais cortes,
parece que, desta vez, as subvenções vitalícias dos ex-políticos, para as quais
nunca descontaram, e um novo pacote de corte dos custos do sistema eléctrico
sempre vão em frente. Alguns visados já vieram a público refilar, dando sinal
de dor de parto. Falam em gordos direitos adquiridos com um descaramento sem limite.
E que dizer a todos os outros, cujos magros direitos adquiridos já foram à vida
há muito tempo?!